31 dezembro 2020

Personal | A coragem de mudar ou uma ode a 2021



Eis-me aqui, no limiar de um novo ano, espreitando-o com expectativa e curiosidade.

Medo? Medo também, confesso.

2020 roubou-me muitas coisas. Roubou-nos a todos.

Foi o ano mais difícil da minha vida. Quebrei e tenho estado a tentar recompor-me, estilhaço a estilhaço.

Quando descobri que estava grávida, era uma médica de família esgotada, a "fazer das tripas coração",

a fazer um esforço desumano por ajudar, por manter o sorriso nos lábios para aqueles que precisavam de mim.

Pensei que conseguiria fazer tudo, como sempre tenho feito. 

Imaginei, inocentemente, que conseguia ser mãe e ser uma médica a dar 300% para combater a pandemia.

Não fui. Parti. Na ânsia de ajudar os outros, esqueci-me de mim, e do filho que me crescia no ventre.

Tive de tomar a difícil decisão de ir para casa. Custou.

Custou porque imaginei o rosto de muitos dos meus doentes, as suas histórias, as suas palavras...

Custou porque imaginei os meus colegas a esforçarem-se ainda mais para dar resposta aos pedidos de mais 1800 utentes...

Mas não tive alternativa...tive de aprender a "dizer não", pela minha saúde (física e mental) e a do meu filho.


Neste contexto, decidimos, eu e o Diogo, que o Estuário do Tejo já não estava a servir para nós.

As saudades da família eram demasiadas, o peso da solidão imenso,

e com um pequenino a caminho, fazia sentido regressar ao nosso Norte.

Tomámos a decisão - irrevogável - de perder o medo e avançar para a incerteza,

em busca do conforto do Minho e dos braços dos nossos familiares.

Enquanto o Diogo estava ao telefone a tratar dos preparativos para vir para Braga,

eu entrei numa sala escura para fazer a minha ecografia do 1º trimestre.

O meu coração ia cheio de esperança pelo futuro, mas esta foi esmagada:

o meu filho tinha uma malformação grave e incompatível com a vida.

Nas semanas seguintes, o que se seguiu foi saído do meu pior pesadelo.

Falei sobre a minha experiência de perda gestacional no meu Instagram @_nadiasepulveda,

porque senti que me ajudava e poderia ajudar outros casais.

Vendo o meu sonho esmigalhar-se daquela forma,

aumentou a certeza de que o meu caminho teria de mudar,

de que precisava de cuidar de mim antes de voltar a cuidar de outros.

Assim tenho feito.


Hoje estou em Braga, com o Diogo, no conforto da casa dos meus pais,

a deixar-me envolver pelo calor do que me é familiar.

As minhas emoções têm tido altos e baixos.

Racionalmente, sei que 2021 tem tudo para dar certo,

que em breve poderemos tentar ter um segundo bebé,

que o Diogo se está a estabelecer bem profissionalmente,

que já temos uma futura casa (alugada para já) onde iremos reconstruir o nosso lar,

e que temos, acima de tudo, muitas pessoas a dar-nos a mão.

Mas uma parte de mim, a emotiva, oscila entre uma esperança e tranquilidade imensas para 2021,

e um medo profundo de nunca mais ser feliz, de ter perdido essa capacidade.

É um equilíbrio periclitante.

Há dias em que me sinto capaz de tudo,

de sobreviver a todos os desafios depois da difícil noite em que tive de dar à luz um filho que não conseguia singrar,

a 19 de Novembro de 2020...

em que me sinto a Super Mulher de novo, mas desta vez com um trunfo na manga:

não me esquecer nunca de cuidar de mim!

Há outros dias, no entanto, em que me invade um torpor imenso,

e o meu coração e mente parecem cair num lago negro como breu, de onde não há saída.

Em que me sinto ora triste, ora irritada, ora apática.

Observo estes sentimentos e deixo-os correr, deixo-os respirar.

Contrariá-los e esconder o que sinto não resulta.

Respiro fundo e tento não me afogar.

Escrevo uma carta ao meu filho, num caderninho que me acompanha.

Choro. E tento de novo.


Tenho muitas esperanças para 2021. Muitos planos. Muitos motivos para sorrir.

A vida não nos traz sempre alegrias, mas cabe-nos a nós saber dançar ao seu ritmo.

Não somos definidos pelo mal (ou bem) que nos acontece, mas pela forma como reagimos.

Embora desse tudo para não ter perdido o meu bebé tão desejado, 

sei que no futuro irei recordar o ano de 2020 como o ano em que tive de cair para me levantar.

Em que as adversidades foram tais que me forcei a colocar-me em primeiro lugar,

em que aprendi a dizer não, em que me apercebi que tenho um limite, que tenho de descansar,

e que mereço dedicar tempo a fazer aquilo que gosto, sem culpas...

Todo o meu percurso durante estes 30 anos me trouxe a esta plataforma de lançamento.

Tenho uma profissão que adoro, uma família que amo, um companheiro perfeito na sua imperfeição.

2021 que venha, este ano não tenho resoluções, tenho sonhos.


4 comentários:

  1. Adorei o Post!! De facto 2020 foi um ano difícil para todos, mas no fundo acredito que todos aprendemos muito com ele! 2021, será diferente, onde iremos todos concretizar muitos sonhos incluindo tu!
    Parabéns pelo blog!! Adorei!!
    Bjinhos Sandra Andrade https://sandraeandrade.blogspot.com/

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  2. Espero que para ti 2021 seja um ano fantástico :)

    https://checkinonline.blogspot.com/

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  3. estas palavras tocaram-me muito, revejo-me nelas no que toca aos efeitos que uma perda tem em nós. seja essa perda qual for, até mesmo sendo a dor de perder algo que na verdade apenas nos destrói, a certeza de que nunca mais se volta a ser feliz é horrivel, mas por vezes reconfortante. É sedutora, essa voz, que nos diz que nunca mais iremos sorrir abertamente e sentir essa felicidade q nos foi arrancada, é sedutora porque uma vez dentro da dor, já nada nos atinge, estamos escudados, protegidos por uma capa de miséria, e dor nenhuma nos parte pois já estamos partidos. Bom saber que no meio de tudo isto, tens em ti o desejo e a força de te recuperares e não te deixares caír nesse poço, porque é muito dificil de lá saír. Força, Nádia, desejo-te tudo de bom e muita paz no teu coração, hoje e para sempre.

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  4. Que 2021 seja o teu ano <3
    Um beijinho,
    http://myheartaintabrain.blogspot.com/

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